domingo, 23 de agosto de 2009

VIII – Células do Sangue, Imunologia e Coagulação

1 – Hemácias, Leucócitos e Resistência à Infecção
A principal função das hemácias é a de transportar a hemoglobina que
leva oxigênio dos pulmões para os tecidos. As hemácias normais são discos
bicôncavos e o seu formato pode alterar-se notavelmente quando de sua passagem
pelos capilares. Em indivíduos normais do sexo masculino o número médio
de hemácias por milímetro cúbico é de 5.200.000, sendo de 4.700.000 em
mulheres normais.
Quando o hematócrito (definido como a porcentagem de sangue que é
constituída por hemácias – normalmente 40 a 45%) e a quantidade de hemoglobina
em cada célula são normais, o sangue contém, em média, 15 g de hemoglobina
em cada 100 ml. Na medula óssea existem elementos celulares denominados
células-tronco hematopoéticas pluripotenciais, das quais derivam-se
todas as células presentes no sangue circulante.
Embora essas células se reproduzam continuamente durante toda a vida
da pessoa, algumas delas permanecem exatamente iguais às células pluripotenciais
originais, sendo mantidas na medula óssea como reserva destas. As
primeiras descendentes não podem ser reconhecidas como diferentes das células
pluripotenciais, embora já estejam comprometidas com diferentes linhagens
de células, sendo chamadas de células primordiais comprometidas.
A célula primordial comprometida que produz eritrócitos é denominada
unidade formadora de colônias de eritrócitos. O crescimento e a reprodução
das diferentes células-tronco estão sob o controle de múltiplas proteínas
conjuntamente denominadas indutores de crescimento. Os indutores de crescimento
promovem o crescimento mas não a diferenciação das células. Esta é a
função de um outro conjunto de proteínas denominadas indutores de diferenciação.
A massa total de hemácias no sistema circulatório é regulada dentro
de limites muitos estreitos, de modo que sempre há um número adequado de
hemácias disponíveis para proporcionar oxigenação tecidual suficiente, mas
não tanto que as células fiquem concentradas a ponto de dificultar o fluxo
sanguíneo. Qualquer condição que faça diminuir a quantidade de oxigênio
normalmente transportada para os tecidos aumenta a velocidade de produção
das hemácias. É o que ocorre na anemia e em altitudes elevadas onde o teor
de oxigênio no ar é diminuído.
O principal fator que estimula a produção de hemácias é um hormônio
circulante denominado eritropoetina, que é sensível à hipóxia. Em pessoas
normais, cerca de 90% de toda a eritropoetina são formados nos rins e o
restante é formado principalmente no fígado. Duas vitaminas são particularmente
importantes para a maturação final das hemácias, a vitamina B12 e o
ácido fólico. Ambos são essenciais à síntese de DNA.
Essas células malformadas, depois de passarem para o sangue circulante,
são capazes de transportar oxigênio normalmente, mas sua fragilidade
faz com que tenham vida curta. Uma causa comum da insuficiência de maturação
é a incapacidade para absorver vitamina B12 (cianocobalamina) no tubo
gastrintestinal, especificamente no íleo. Isso ocorre frequentemente na
anemia perniciosa ou megaloblástica, em que a anormalidade básica é a atrofia
da mucosa gástrica, que deixa de produzir as secreções gástricas normais,
em especial o fator intrínseco de Casttle pelas células parietais.
A síntese de hemoglobina começa nos proeritroblastos e continua até
alguns dias depois de as células saírem da medula óssea e passarem à corrente
sanguínea. Uma etapa importante é a formação do heme, que contém um
átomo de ferro. Em seguida, cada molécula de heme combina-se a uma cadeia
polipeptídica muito longa denominada globina, formando a cadeia hemoglobínica.
Quatro cadeias hemoglobínicas, por sua vez, ligam-se frouxamente entre
sí para formar a molécula total da hemoglobina.
Há quatro átomos de ferro em cada molécula de hemoglobina; cada um
deles pode ligar-se a uma molécula de oxigênio, perfazendo o total de quatro
moléculas ou oito átomos de oxigênio que cada molécula de hemoglobina
pode transportar. A característica mais importante da molécula de hemoglobina
é sua capacidade de combinar-se frouxa e reversivelmente com o oxigênio.
Depois de passarem da medula óssea para o sistema circulatório, as
hemácias normalmente circulam por 120 dias, em média, antes de serem destruídas.
Essa destruição pode ocorrer no baço ou através do rompimento das
membranas plasmáticas enfraquecidas ao passar por regiões estreitas na circulação.
A hemoglobina liberada pelas células que se rompem é fagocitada
quase que imediatamente por macrófagos em todo o corpo, particularmente por
aqueles localizados no fígado (células de Kupffer). Durante o período que
se segue, os macrófagos liberam o ferro da hemoglobina de volta para o sangue
para a produção de novas hemácias. Uma parte da molécula de hemoglobina
degradada é convertida no pigmento biliar bilirrubina.
No processo de formação da bilirrubina, parte da hemoglobina transforma-
se em biliverdina, que se transforma em bilirrubina não-conjugada ou
indireta, que se liga à albumina e vai para o fígado. No fígado ocorre a
conjugação ou ligação da bilirrubina indireta ao glicuronídeo formando glicuronato
de bilirrubina também conhecido como bilirrubina conjugada ou direta.
A bilirrubina conjugada pode ser armazenada na vesícula biliar ou seguir
para a ampola de Váter e para o duodeno sendo eliminada com as fezes.
As anemias significam deficiência de hemácias e podem ser causadas basicamente
por perda demasiadamente rápida ou por produção excessivamente lenta
de hemácias. A anemia aplástica indica que a medula óssea não está funcionando,
está em aplasia.
Ocorre por exemplo em pessoas expostas à radiação gama pela explosão
de uma bomba atômica, podendo levar à destruição total da medula óssea e à
morte. As anemias hemolíticas ocorrem devido à fragilidade das hemácias e
geralmente são hereditárias. Um desses tipos de anemia é a falciforme. Na
anemia falciforme, a hemácia possui a aparência de uma foice e não de um
disco bicôncavo.
Um dos principais efeitos da anemia é o aumento do débito cardíaco.
Os leucócitos são as unidades móveis do sistema protetor do organismo. Seis
diferentes tipos são normalmente encontrados no sangue: os polimorfonucleares
(neutrófilos, basófilos e eosinófilos), os monócitos, os linfócitos e
os plasmócitos. Os leucócitos são produzidos na medula óssea e nos tecidos
linfóides. As plaquetas são fragmentos de um sétimo tipo de leucócito encontrado
na medula óssea, o megacariócito. O principal mecanismo de defesa
realizado pelos leucócitos é a fagocitose.
Os linfócitos e plasmócitos funcionam principalmente em conexão com o
sistema imune. Além das células comprometidas com a formação de hemácias,
formam-se também duas grandes linhagens de leucócitos – a mielocítica e a
linfocítica. O principal motivo para os leucócitos estarem presentes no
sangue é simplesmente porque estão sendo transportados da medula óssea ou
dos tecidos linfóides para as áreas do corpo onde são necessários.
Uma vez nos tecidos, os monócitos aumentam de tamanho transformandose
em macrófagos teciduais e sob esta forma podem viver e atacar invasores
infecciosos durante meses ou anos, a menos que sejam destruídos ao realizarem
a fagocitose. São principalmente os neutrófilos e os macrófagos que
atacam e destroem invasores como bactérias, vírus e outros agentes nocivos.
Os leucócitos deslocam-se pelos espaços teciduais por movimento amebóide e
são atraídos por quimiotaxia para os tecidos inflamados.
As substâncias naturais do corpo têm revestimentos protéicos protetores
que repelem os fagócitos. Por outro lado, as partículas estranhas e de
tecidos mortos frequentemente são desprovidas desses revestimentos protetores,
o que também as torna sujeitas à fagocitose. Muitas vezes os anticorpos
aderem à membrana bacteriana facilitando a fagocitose num processo denominado
opsonização. Depois de fagocitadas, as partículas, em sua maioria,
são digeridas por enzimas intracelulares.
A combinação de monócitos, macrófagos móveis, macrófagos teciduais
fixos e algumas células endoteliais especializadas presentes na medula óssea,
no baço e nos linfonodos constitui o sistema dos monócitos e macrófagos,
que é também frequentemente chamado de sistema reticuloendotelial,
pois acreditava-se antes que os macrófagos originavam-se das células endoteliais.
Quando ocorre lesão tecidual causada por bactérias, traumatismos,
compostos químicos, calor ou qualquer outro fenômeno, os tecidos lesados
liberam múltiplas substâncias que vão lhes causar drásticas alterações secundárias.
Todo esse complexo de alterações teciduais é denominado inflamação.
Um dos primeiros resultados da inflamação é o de encapsular a área lesada,
separando-a dos demais tecidos. A intensidade do processo inflamatório é
geralmente proporcional ao grau de lesão tecidual. Os macrófagos teciduais
constituem a primeira linha de defesa contra infecções. A invasão da área
inflamada por neutrófilos é a segunda linha de defesa. Dentro de algumas
horas ocorre neutrofilia, caracterizada pelo aumento agudo dos neutrófilos
no sangue. Uma segunda invasão do tecido inflamado por macrófagos constitui
a terceira linha de defesa.
O aumento da produção de granulócitos e monócitos constitui a quarta
linha de defesa. O controle da resposta dos macrófagos e neutrófilos na inflamação
ocorre a partir de substâncias como o fator de necrose tumoral e a
interleucina-1. Os eosinófilos normalmente constituem 2 a 3% de todos os
leucócitos sanguíneos. Eles são fracos como fagócitos e apresentam pouca
quimiotaxia. Por outro lado, os eosinófilos são usualmente produzidos em
número muito elevado em pessoas com infestações parasitárias, migrando para
os tecidos acometidos pelos parasitas. Embora os parasitas sejam, em maioria,
grandes demais para serem fagocitados pelos eosinófilos, ainda assim
os eosinófilos fixam-se aos parasitas e liberam substâncias que matam muitos
deles.
Os eosinófilos também têm propensão especial a se acumular em tecidos
em que ocorreram reações alérgicas como os tecidos peribrônquicos de pessoas
asmáticas, na pele após reações cutâneas alérgicas e assim por diante.
Os basófilos são semelhantes aos mastócitos e, assim como os mastócitos,
liberam heparina no sangue impedindo a coagulação e acelerando a remoção de
partículas lipídicas após refeição rica em lipídios.
Ocasionalmente observa-se uma afecção clínica conhecida como leucopenia
ou agranulocitose, na qual a medula óssea para de produzir leucócitos
deixando o corpo desprotegido contra bactérias e outros agentes capazes de
invadir os tecidos. As leucemias são divididas em dois tipos gerais: as
leucemias linfogênicas e as leucemias mielogênicas. As leucemias linfogênicas
são causadas pela descontrolada produção cancerosa de células linfóides,
produção essa que usualmente se inicia num linfonodo ou num outro tecido
linfogênico e subsequentemente se dissemina para outras áreas do corpo.
O segundo tipo de leucemia, a leucemia mielogênica, inicia-se pela
produção cancerosa de células mielogênicas jovens na medula óssea e depois
se dissemina para todo o corpo, de tal modo que os leucócitos passam a ser
produzidos em muitos órgãos além da medula óssea.
Na leucemia, muito comumente, desenvolvem-se infecções, anemia grave
e tendência hemorrágica ocasionada pela trombocitopenia. Esses efeitos decorrem
principalmente da substituição da medula óssea normal pelas células
leucêmicas não funcionais. Talvez o mais improtante efeito da leucemia sobre
o organismo seja o consumo excessivo de substratos metabólicos pelas
células cancerosas em crescimento.
2 – Imunidade, Alergia e Grupos Sanguíneos
Imunidade e Alergia
O corpo humano tem a capacidade de resistir a quase todos os tipos de
organismos ou toxinas que tendem a lesar os tecidos e órgãos. Essa capacidade
é denominada imunidade. A imunidade adquirida desenvolve-se depois que
o corpo é pela primeira vez agredido por um microorganismo ou por uma toxina
bacteriana, com frequência levando semanas ou meses para desenvolver-se.
Outra parte da imunidade decorre de processos gerais e não de processos
dirigidos contra organismos patogênicos específicos. Essa é a chamada
imunidade inata. A imunidade inata inclui a fagocitose, a destruição de microorganismos
pelas secreções ácidas do estômago e pelas enzimas digestivas,
a resistência da pele à invasão por organismos e a presença de compostos
químicos no sangue que se fixam a organismos estranhos ou toxinas destruindo-
os. A imunidade adquirida pode, muitas vezes, conferir grau extremo
de proteção. Existem no organismo dois tipos básicos, porém estreitamente
associados, de imunidade adquirida. Num deles, o corpo elabora anticorpos
circulantes que são moléculas de globulina capazes de atacar o agente invasor.
Esse tipo de imunidade é denominado imunidade humoral ou imunidade de
células B, porque são os linfócitos B que produzem os anticorpos. O segundo
tipo de imunidade adquirida é dado pela formação de grande número de linfócitos
ativados especificamente destinados a destruir o agente invasor. Esse
tipo de imunidade é chamado de imunidade mediada por células ou imunidade
das células T, porque os linfócitos ativados são os linfócitos T.
Tanto os anticorpos como os linfócitos ativados são formados nos tecidos
linfóides do corpo. Ambos os tipos de imunidade adquirida são induzidos
por antígenos. Em geral, os antígenos são proteínas ou grandes polissacarídeos.
O processo de antigenicidade depende de grupos moleculares denominados
epítopos.
A imunidade adquirida é produto do sistema linfocitário do corpo. Os
linfócitos se localizam predominantemente nos linfonodos, mas também estão
presentes em tecidos linfóides especiais como o baço, áreas situadas na
submucosa do tubo gastrintestinal e a medula óssea. O tecido linfóide do
tubo gastrintestinal, por exemplo, é imediatamente exposto aos antígenos
que penetram pelo tubo digestivo.
O tecido linfóide do baço e da medula óssea desempenha o papel específico
de interceptar os agentes antigênicos que conseguem chegar ao sangue
circulante. Ambos os tipos de linfócitos originam-se no embrião a partir de
células-tronco hematopoéticas pluripotenciais. Os linfócitos que são destinados
à formação de linfócitos T migram inicialmente para o timo e são aí
pré-processados. Os linfócitos B, destinados a formar anticorpos, são préprocessados
no fígado, nos meados da vida fetal, e na medula óssea, no fim
da vida fetal e depois do nascimento.
Essa população de células foi originalmente descoberta em aves, nas
quais o pré-processamento ocorre na bursa de Fabrícius, uma estrutura não
encontrada em mamíferos. Depois de formados na medula óssea, os linfócitos
T migram primeiramente para o timo. Nessa glândula eles se multiplicam com
rapidez e reagem com diferentes antígenos específicos.
Esses diferentes tipos de linfócitos T processados deixam então o timo
e espalham-se por todo o corpo, alojando-se nos tecidos linfóides. O timo
também assegura que os linfócitos T que ele produz não reagirão contra
proteínas ou outros antígenos presentes nos próprios tecidos do corpo. O
timo seleciona quais os linfócitos T devem ser liberados, primeiro misturando-
os com virtualmente todos os “auto-antígenos” específicos existentes
nos próprios tecidos do corpo. Se um linfócito T reage, ele é destruído e
fagocitado, que é o que acontece com até 90% das células.
Os linfócitos B diferem dos linfócitos T sob dois aspectos: em primeiro
lugar, ao invés de a célula como um todo tornar-se reativa contra o
antígeno, como ocorre com os linfócitos T, os linfócitos B secretam anticorpos,
que são os agentes reativos. Os anticorpos são grandes moléculas
protéicas capazes de combinar-se com os antígenos e destruí-los. Em segundo
lugar, os linfócitos B apresentam diversidade ainda maior que a dos linfócitos
T, dando assim origem a muitos e muitos milhões – talvez até mesmo
bilhões – de anticorpos com diferentes reatividades específicas. Após o
pré-processamento, os linfócitos B, da mesma forma que os linfócitos T, migram
para os tecidos linfóides distribuídos por todo o corpo, onde se alojam
a pequena distância das áreas ocupadas pelos linfócitos T.
Quando um antígeno específico entra em contato com os linfócitos T e
B no tecido linfóide, alguns dos linfócitos T são ativados para formar “células
T ativadas”, e alguns dos linfócitos B formam anticorpos. Há milhões
de tipos diferentes de linfócitos B pré-formados e igual número de linfócitos
T pré-formados que são capazes de dar origem a anticorpos ou células T
altamente específicas quando estimulados pelos antígenos apropriados. Esse
linfócito só pode então ser ativado pelo tipo específico de antígeno com o
qual ele pode reagir.
Após ser ativado por seu antígeno específico, o linfócito reproduz-se
intensamente. Quando se trata de um linfócito B, seus descendentes acabam
por secretar anticorpos que irão circular por todo o corpo. Os linfócitos
semelhantes são denominados clones e derivam originalmente de um linfócito
específico. No caso dos linfócitos B, cada um deles tem na superfície de
sua membrana celular cerca de 100.000 moléculas de anticorpo, que vão reagir
de modo altamente específico com apenas aquele tipo específico de antígeno.
Por isso, quando o antígeno apropriado se apresenta, ele imediatamente
se liga à membrana celular; isto leva ao processo de ativação.
No caso dos linfócitos T, moléculas muito semelhantes a anticorpos,
denominadas proteínas receptoras de superfície ou marcadores de células T
localizam-se na superfície da membrana celular sendo altamente específicas
para o antígeno ativador específico. Antes da exposição a um antígeno específico,
os clones de linfócitos B permanecem quiescentes no tecido linfóide.
Com a chegada de um antígeno estranho, entretanto, os macrófagos do tecido
linfóide fagocitam o antígeno e o apresentam, então, aos linfócitos B
adjacentes.
Além disso, o antígeno é simultaneamente apresentado às células T, e
então células T “auxiliares” ativadas também passam a contribuir para a
ativação dos linfócitos B. Os linfócitos B específicos transformam-se em
plasmócitos secretores de anticorpos. Os anticorpos são secretados na linfa
e levados para o sangue circulante. Alguns dos linfócitos B, ao invés de
transformar-se em plasmócitos secretores de anticorpos, transformam-se em
linfócitos B de memória.
O primeiro contato com o antígeno e que leva à produção de plasmócitos
e linfócitos B de memória é denominado resposta primária. A exposição
subsequente ao antígeno vai causar, então, uma resposta de anticorpos muito
mais rápida e muito mais potente, pois o número de células de memória é
muito maior do que o número de linfócitos originalmente presentes no clone
específico.
A maior potência e a maior duração da resposta secundária explicam
por que as vacinações são geralmente efetuadas injetando-se um antígeno em
doses múltiplas, com períodos de várias semanas ou vários meses entre as
aplicações. Os anticorpos são gamaglobulinas denominadas imunoglobulinas e
são compostos por combinações de duas cadeias polipeptídicas leves e duas
pesadas. Cada cadeia pesada é paralela a uma cadeia leve em uma de suas extremidades.
Cada cadeia possui uma parte variável e uma parte constante.
A parte variável é diferente para cada especificidade do anticorpo e
é essa parte que se fixa a um tipo particular de antígeno. Cada cadeia tem
forma estérica diferente para cada especificidade antigênica possibilitando
a ligação do anticorpo ao antígeno. Os anticorpos agem por ataque direto
sobre o invasor e pela ativação do sistema do complemento. A ação direta
ocorre através de aglutinação de partículas graças à natureza bivalente dos
anticorpos, precipitação, neutralização e lise direta das membranas.
A maior parte da proteção dos anticorpos, entretanto, vem através dos
efeitos amplificadores do sistema do complemento. Complemento é o termo coletivo
para descrever um sistema de cerca de 20 proteínas distintas, muitas
das quais são precursoras de enzimas. Os principais atores desse sistema
são C1 a C9, B e D. Todas elas estão normalmente presentes entre as proteínas
plasmáticas. Quando um anticorpo se liga a um antígeno, um sítio reativo
específico na parte constante do anticorpo passa a ficar descoberto ou
ativado.
Esse sítio liga-se à molécula C1 do complemento desencadeando uma
cascata de reações sequenciais. Formam-se múltiplos produtos finais e vários
deles causam efeitos importantes como a opsonização pelo C3b e consequente
fagocitose, a lise pelo complexo lítico C5b6789, a aglutinação, a
neutralização de vírus e a ativação de mastócitos e basófilos pelos fragmentos
C3a, C4a e C5a. Após a ativação de células T, ocorre proliferação de
linfócitos T e formação de linfócitos T de memória que aumentam a rapidez
da resposta nas exposições subsequentes ao mesmo antígeno.
Há muitos tipos distintos de células T sendo os principais os linfócitos
T auxiliares, T citotóxicos e T supressores. As células T auxiliares
constituem a maior parte dos linfócitos T e estimulam o crescimento e a
proliferação de células T citotóxicas, células T supressoras e ativam macrófagos
por todo o corpo. As células auxiliares é que são inativadas ou
destruídas pelo vírus da AIDS. Isto virtualmente paralisa todo o sistema
imune, o que acarreta os conhecidos efeitos letais da AIDS.
As células T citotóxicas realizam ataque direto após a fixação através
da produção de proteínas formadoras de orifícios, as perforinas. Em seguida,
a célula T citotóxica libera substâncias citotóxicas diretamente
para o interior da célula atacada. Elas também são conhecidas como natural
killers e desempenham papel importante na destruição de células malignas e
outros tipos de células estranhas. As células T supressoras suprimem as
funções tanto das células T citotóxicas como das células T auxiliares.
Acredita-se que essa função supressora sirva ao propósito de regular
as atividades das demais células. O mecanismo pelo qual o sistema imune não
agride as células do próprio organismo é conhecido como tolerância imunológica.
A maior parte da tolerância resulta da seleção de clones durante o
pré-processamento dos linfócitos T no timo e dos linfócitos B na medula óssea.
O fracasso dos mecanismos de tolerância causa as doenças de autoimunidade
como a febre reumática, um tipo de glomerulonefrite, a miastenia
grave e o lúpus eritematoso. A alergia ocorre em pessoas que apresentam
grande quantidade de anticorpos IgE, os quais possuem forte propensão à fixação
em mastócitos e basófilos.
Quando um alérgeno interage com um anticorpo IgE ocorre uma reação
alérgica através do rompimento das membranas e liberação dos grânulos presentes
nos mastócitos e basófilos. Esses grânulos contém principalmente
histamina, substância de reação lenta da anafilaxia ou SRSA que é uma mistura
de leucotrienos, a substância quimiotáxica para eosinófilos, a heparina,
fatores de ativação plaquetária e proteases.
Grupos Sanguíneos
O sangue de pessoas diferentes geralmente tem propriedades antigênicas
e imunitárias diversas, de modo que os anticorpos presentes no plasma
de um sangue reagem com os antígenos existentes na superfície das hemácias
de outro sangue. Dois grupos particulares de antígenos têm, mais do que outros,
tendência a causar reações transfusionais. São eles o chamado sistema
A-B-O de antígenos e o sistema Rh. Os sangues são divididos em diferentes
grupos em relação ao sistema A-B-O e tipos em relação ao sistema Rh.
Quando nem o aglutinógeno A nem o B estão presentes, o grupo sanguíneo
é o grupo O. Quando apenas o aglutinógeno A está presente, o sangue é
do grupo A. Quando apenas o aglutinógeno B está presente, o sangue é do
tipo B. Quando ambos os aglutinógenos, A e B, estão presentes, o sangue é
do grupo AB. Quando o aglutinógeno tipo A não está presente nas hemácias de
uma pessoa, anticorpos conhecidos como aglutininas anti-A se desenvolvem no
plasma.
O sangue do grupo O, embora não apresente aglutinógenos, contém tanto
a aglutinina anti-A como a anti-B. O sangue do grupo B contém aglutinógenos
tipo B e aglutininas anti-A. O sangue do grupo AB contém os aglutinógenos A
e B, mas nenhuma aglutinina. As aglutininas são produzidas por indivíduos
que não têm as substâncias antigênicas em suas hemácias devido ao fato de
que pequenas quantidades de antígenos A e B penetram no corpo por meio de
alimentos, de bactérias e de outras maneiras após o nascimento.
Em transplantes de sangue errados, como as aglutininas têm dois sítios
de fixação (tipo IgG) ou dez sítios (tipo IgM), uma única aglutinina
pode se fixar a duas ou mais hemácias ao mesmo tempo fazendo com que elas
se aglutinem. Esses aglomerados entopem vasos sanguíneos por todo o sistema
circulatório. Durante as horas e dias subsequentes, os leucócitos fagocitários
e o sistema retículoendotelial destroem as células aglutinadas, liberando
hemoglobina no plasma.
Em algumas reações transfusionais ocorre hemólise imediata por ativação
do complemento. Uma das consequências mais letais das reações transfusionais
é a insuficiência renal aguda. Quando a quantidade total de hemoglobina
no sangue se eleva acima de um nível crítico, grande parte do excesso
vaza através das membranas glomerulares para os túbulos renais.
Quando em quantidade pequena, essa hemoglobina pode ser reabsorvida
para o sangue pelo epitélio tubular, entretanto, quando a quantidade é
grande, apenas uma pequena porcentagem é reabsorvida, fazendo a concentração
tubular de hemoglobina elevar-se de tal modo que ela se precipita e
bloqueia muitos túbulos. Quando hemácias contendo fator Rh são injetadas em
uma pessoa sem esse fator, desenvolvem-se muito lentamente aglutininas anti-
Rh.
A transfusão de sangue Rh positivo numa pessoa Rh negativa que nunca
tenha sido antes exposta a sangue Rh positivo não causa absolutamente qualquer
reação imediata. A eritroblastose fetal é uma doença de fetos e de recém-
nascidos, caracterizada por aglutinação progressiva e fagocitose subsequente
das hemácias. Na maioria dos casos de eritroblastose fetal a mãe é
negativa e o pai é positivo. O bebê, sendo positivo, faz com que a mãe desenvolva
aglutininas anti-Rh através da placenta para o feto.
Ocorre aglutinação do sangue fetal e subsequentemente hemólise, liberando
hemoglobina no sangue. Os macrófagos então convertem essa hemoglobina
em bilirrubina, que deixa a pele amarelada (icterícia). O tratamento habitual
da eritroblastose fetal consiste em substituir o sangue do recém nascido
por sangue Rh negativo.
3 – Hemostasia e Coagulação
O termo hemostasia significa prevenção da perda de sangue. Sempre que
um vaso é seccionado ou se rompe, a hemostasia é feita por diversos mecanismos,
incluindo um espasmo vascular, a formação do tampão plaquetário, a
formação de um coágulo sanguíneo como resultado da coagulação do sangue e o
crescimento de tecido fibroso no interior do coágulo sanguíneo para fechar
permanentemente o orifício no vaso.
O tampão plaquetário forma-se quando a ruptura do vaso sanguíneo é
muito pequena. As plaquetas são formadas na medula óssea a partir dos megacariócitos
e sua concentração normal no sangue fica entre 150.000 e 300.000
por microlitro. A plaqueta é uma estrutura muito ativa. Ela tem uma meiavida
de 8 a 12 dias no sangue, período ao fim do qual seus processos vitais
se esgotam. Quando em contato com uma superfície vascular lesada, como as
fibras de colágeno subendotelial, as plaquetas aumentam de tamanho e liberam
seus grânulos com substâncias como o ADT e o tromboxano A2. Essas substâncias
agem sobre as plaquetas vizinhas estimulando sua aderência, o que
dá origem ao tampão plaquetário.
O coágulo desenvolve-se quando o traumatismo da parede vascular é
grave. Substâncias ativadoras provenientes tanto da parede vascular traumatizada
como das plaquetas e das proteínas sanguíneas que aderem à parede
vascular traumatizada dão início ao processo de coagulação. Em resposta à
ruptura do vaso ocorre uma complexa cascata de reações químicas no sangue,
envolvendo mais de uma dúzia de fatores da coagulação sanguínea. Essas substâncias
catalisam a conversão da protrombina em trombina.
A trombina atua como enzima, convertendo o fibrinogênio em filamentos
de fibrina, que retêm em sua malha as plaquetas, as células sanguíneas e o
plasma, formando o coágulo. Pode ocorrer sangramento excessivo como resultado
da deficiência de qualquer um dos múltiplos fatores da coagulação.
Três tipos específicos de tendência hemorrágica são a deficiência de vitamina
K, a hemofilia e a trombocitopenia.
A hemofilia é causada pela deficiência do fator VIII e do fator IX.
Esses dois fatores são transmitidos geneticamente por meio do cromosoma feminino,
como caráter recessivo. Por essa razão, raramente a mulher apresenta
hemofilia. Porém, se um de seus cromossomos X por deficiente, ela será
uma portadora de hemofilia. Um coágulo anormal que se desenvolve em um vaso
sanguíneo é denominado trombo.
Uma vez desenvolvido o coágulo, o contínuo fluxo de sangue que passa
ao lado dele pode fazer com que se desprenda de sua fixação e seja transportado
pelo sangue; esses coágulos são conhecidos como êmbolos. Qualquer
aspereza na superfície endotelial de um vaso – como a causada por arteriosclerose,
infecção ou trauma – é capaz de dar início ao processo de coagulação.
O sangue também se coagula com frequência quando flui muito lentamente
pelos vasos sanguíneos.
É comum ocorrer em seres humanos a trombose femoral profunda que desencadeia
embolia pulmonar maciça. Quando o coágulo é suficientemente grande
para ocluir as duas artérias pulmonares, a morte sobrevém imediatamente.
Quando é bloqueada apenas uma artéria pulmonar ou um ramo menor, pode não
ocorrer a morte ou a embolia pode levar à morte algumas horas a vários dias
depois, em virtude do crescimento adicional do coágulo dentro dos vasos
pulmonares.
Em algumas condições tromboembólicas, como a trombose coronária ou a
embolia pulmonar, é desejável retardar o processo de coagulação. Por isso,
vários anticoagulantes foram desenvolvidos para o tratamento dessas afecções.
Os mais úteis para a prática clínica são a heparina e os cumarínicos.
Alguns coágulos intravasculares podem ser desfeitos pela injeção de estreptoquinase,
que é formada por certos tipos de estreptococos hemolíticos.

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