quinta-feira, 13 de agosto de 2009

FUTEBOL O PAPEL DO SNC NA FORMAÇÃO DE CRAQUES

No futebol moderno só entra em campo o profissional treinado, alimentado, moldado, conscientizado para superar os limites de velocidade, agilidade, fôlego e potência do chute. Foi-se o tempo que o esporte era conhecido apenas pela garra e talento dos atletas naturalmente bem dotados.
Hoje, jogadores com visão de jogo e que dominam a bola devem ter essas qualidades somadas à habilidade de correr atrás do adversário como “felino” e de evitar ser derrubado por um “safanão”. E por isso é necessário que se desenvolva fisicamente um jogador técnico, para que ele não seja anulado por um atleta não-técnico que tenha preparo físico.
No processo de formação do jogador técnico, vários sistemas corporais estão envolvidos. Analisaremos, aqui, o envolvimento do sistema nervoso central (SNC) nesse processo de formação.
O nível mais alto, representado pelas áreas de associação do neocórtex e pelos gânglios basais do encéfalo (núcleo caudado, Putamen, núcleo Pálido), está envolvido com a estratégia: a finalidade e a estratégia do movimento que melhor atinge a meta. O nível Intermediário, representado pelo córtex motor e pelo cerebelo, está relacionado com a tática: as seqüências de contrações musculares, arranjadas no espaço e no tempo, necessárias para ativar, de forma suave e acurada, a meta estratégica. O nível mais baixo, representado pelo tronco encefálico e pela medula espinhal, guarda relação com a execução: ativação do neurônio motor e de conjuntos de interneurônios (neurônios de associação) que geram o movimento direcionado à meta e faz qualquer ajuste postural que seja necessário.













Para avaliar as diversas contribuições dos três níveis hierárquicos ao movimento, considere as ações de um atacante-cobrador de pênalti parado em frente ao gol, pronto para lançar a bola. Com base na visão, audição, sensação exata acerca de onde o corpo está no espaço, estratégias devem ser delineadas para mover o corpo do estado atual para um outro, no qual o lançamento é realizado e o efeito desejado obtido. Várias opções – um lançamento curvo, um lançamento rápido, um lançamento articulado, entre outros – estão disponíveis, e essas alternativas são filtradas através dos gânglios basais e de volta ao córtex até que a decisão seja tomada baseada, em grande parte, na experiência. As áreas motoras do córtex e do cerebelo tomam, então, a decisão tática (jogar a bola ao gol) e enviam instruções para o tronco encefálico e para a medula espinhal. A ativação de neurônios no tronco e na medula levam, então, à execução do movimento. A ativação, em tempo apropriado, de neurônios motores (motoneurônios) na região lombar, gera um movimento coordenado da coxa, perna e pés, enquanto ajustamentos posturais na região cervical e torácica evitam que o jogador caia durante o lance.
Enquanto isso, neurônios motores do tronco encefálico do goleiro são ativados para manter seus olhos fixos na posição do atacante, enquanto seu corpo e sua cabeça se movem.





Hierarquia do controle motor
Nível:
Alto ; Médio; Baixo
Função: Estratégia; Tática; Execução
Estruturas:Áreas de associação do neocórtex, gânglios da base; Córtex motor, cerebelo; Tronco encefálico, medula


De acordo com as leis da física, o movimento de uma bola arremessada no espaço é balístico, isto é, uma trajetória que não pode ser alterada. O movimento do jogador quando lança a bola também pode ser descrito como balístico, pois uma vez iniciado não pode ser alterado.
Informações sensoriais antes do movimento ser iniciado são essenciais para determinar a posição inicial dos membros inferiores e do tronco e para antecipar qualquer mudança na resistência durante o arremesso da bola. E informação sensorial durante o movimento também é importante – não necessariamente para o movimento que está sendo executado, mas para melhorar movimentos similares subseqüentes.
No nível mais alto, a informação sensorial gera uma imagem mental do corpo e sua relação com o ambiente. No nível intermediário, as decisões táticas são baseadas nas memórias das informações sensoriais de movimentos passados. No nível mais baixo, a retroalimentação sensorial é utilizada para manter a postura, a extensão muscular e a tensão antes e após cada movimento voluntário.
À medida que as hierarquias sensoriais atingem um pico, também começam a convergir. Em áreas especiais, como o hipocampo, os neurônios começam a disparar, em resposta a combinações de ruídos, visões, cheiros e outras sensações. Mas o hipocampo não espera que todas as informações cheguem de uma só vez para decidir responder. Vai soltando mensagens a cada pedaço de informação ou sensação. O disparo do hipocampo faz prestar atenção a outras imagens, Ele reflete o fato de que certos detalhes existem, espalhados pelo resto do circuito sensorial.
Em conseqüência, dispara novamente.
Resumindo, a informação inicial leva à formação de uma resposta cerebral, que é usada para dirigir a atenção e coletar mais informações, que novamente são enviadas ao cérebro. Esse processo permite que o hipocampo seja um órgão de memória, já que toda conexão sináptica é moldada por experiência. O hipocampo está posicionado para reter memórias específicas, capturar determinada imagem ou estado sensorial e, então, usar essa informação horas ou mesmo anos depois para reconstruir um momento.
Os mais alto níveis do cérebro são as cerca de 12 áreas de processamento que formam os lobos frontais. Tais áreas processam o que é significativo e merece análise mais profunda (e não rotineiro).
Quando um pedaço da atividade visual, que tem a forma de uma bola, por exemplo, atinge essa parte do cérebro, uma experiência nítida pode começar a se manifestar.
Agindo em comum acordo com os centros da excitação e emoção do cérebro inferior, com os quais têm conexões íntimas, os lobos pré-frontais entram em estado de alerta. Presta atenção tem o efeito de definir a experiência sensorial. O córtex sensorial começa respondendo ao panorama maior – a bola – e depois a outras imagens. A atenção retorna a tudo para criar contraste. Aumenta o “volume” dos neurônios que representam a bola e empurra detalhes irrelevantes, como a presença do juiz ou colegas de time para a periferia da percepção.
Essa é uma das vantagens de o cérebro funcionar mais como rede orgânica de conexões do que como dispositivo de entrada e saída. As áreas de “saída” podem voltar para trás a fim de alterar as próprias entradas. Qualquer entrada começa com uma sugestão: “Ei, posso ser importante!” Muitas são analisadas, e eventualmente pode haver uma resposta do tipo: “Sim, você era o pedaço que interessava”. As vias do cérebro desenvolvem uma solução.
Quando se fixa a atenção em certo detalhe ocorre um enorme fluxo de pensamentos, emoções e associações. A totalidade do cérebro é preparada para responder ao evento focal com todos os recursos disponíveis. Portanto, perceber a visão da bola traz à superfície associações mentais armazenadas. Mesmo no momento em que o jogador reconhece a bola, pensamentos relevantes começam a efervescer dentro dele. Existe adversário na vizinhança? Devo levar a bola até o gol ou dar passe? Os centros de excitação irão tomar decisões sobre preparar o corpo para a ação. As áreas motoras, atrás das regiões pré-frontais na lâmina do córtex frontal, estarão engrenando para executar intenções que começam a se formar.
O cérebro aprende a totalidade de cada movimento e extrai (responde também) o aspecto central.
Bons jogadores de futebol precisam de reflexos incríveis. No jogo profissional, um chute potente pode fazer a bola rolar a mais de 200 Km por hora e entrar na rede em 1/3 de segundo. Mal dá tempo para um principiante enxergar a bola. Mas os melhores jogadores conseguem ver a bola nitidamente para se lançar ao ataque e ainda driblar o adversário com uma precisão de fração de segundo.
Apesar de parecer que o sistema nervoso trabalha à velocidade de um raio, não é bem assim. Mesmo conduzindo sinais a várias centenas de quilômetros por hora, os nervos necessitam de tempo para transformar entrada em saída. Leva ao menos 20 milésimos de segundo para as mensagens percorrerem o comprimento do corpo. Os sinais visuais levam em torno de 50 a 100 milésimos de segundo para chegar ao cérebro. Uma vez dentro dele, outras conexões são necessárias para transformar sinais brutos em resposta mental. Totalize esses atrasos e seria impossível acompanhar uma bola indo diretamente ao gol.
De fato, experimentos laboratoriais mostram quanto tempo o cérebro leva para integrar novas informações. Quando se pede jogadores iniciantes que chutem a bola assim que a luz pisca, eles levam 200 milésimos de segundo, 1/5 de um segundo. Cerca de 120 milésimos de segundo são necessários para registrar o fato de que a luz piscou e outros 80 para dar o chute. Esse tempo é necessário para uma simples tarefa que não exige pensamento. Para qualquer outra que requer atenção, o atraso da resposta fica próximo de meio segundo.
O cérebro de profissionais treinados simplifica o problema gastando o menor tempo possível.
Para subir e descer até o fim da hierarquia de processamento, a resposta mental leva meio segundo. Criar pontes entre centenas de áreas corticais exige trabalho. O cérebro pode criar atalhos nessa resposta e reagir fora dos padrões, cortando o tempo de processamento de 500 milésimos de segundo para apenas 200. Existem estruturas cerebrais especializadas nesse trabalho. Um agrupamento de centros nervosos, os gânglios basais, abriga-se dentro dos hemisférios cerebrais, “observando” silenciosamente os padrões de atenção e a tomada de decisões na lâmina cortical acima. Em vigilância, os gânglios basais começam a ver quais padrões sensoriais produzem mais tarde determinada resposta. Eles poderão fazer, literalmente, um curto-circuito para a produção daquele estado de saída. Assim que o tipo certo de sensação começa a chegar, os gânglios basais poderão disparar a mesma resposta de maneira imediata, sem pensar. A tarefa será feita como se o cérebro superior tivesse ponderado cuidadosamente a sua resposta. Esse é um truque inteligente para poupar tempo, que funciona quando o cérebro experimenta a mesma situação em ocasiões suficientes para conseguir uma conexão na forma de hábito. Isso vai reverter em um padrão de ação fixa ou automatismo. Mas tal atalho só reduz o atraso na resposta de meio segundo para 1/5 de segundo.
Os “cérebros” antecipam, ficam craques em adivinhar. Podem supor que cada novo momento será parecido com o anterior. Mesmo que exista surpresa, aquilo que o cérebro registrou um segundo atrás continuará sendo verdadeiro no futuro, gerando expectativas sobre o que virá.
Os gânglios basais não são a única parte do cérebro que vigia as atividades do córtex e aprende com elas. O cerebelo é um órgão especializado no ajuste fino do encadeamento temporal dos movimentos. O cerebelo responde por apenas 1/10 do volume do cérebro, mas contém bem mais da metade de seus neurônios; possui muito mais células nervosas que o córtex “inteligente”. Um neurônio do cerebelo faz 20 vezes mais conexões sinápticas, quase 200 mil, em comparação com cerca de 10 mil, para um neurônio cortical mediano.
O cerebelo usa alças de processamento muito simples, perfeitas para a sincronia das ações, e não para formar um quadro complexo da consciência. Esta é a tarefa do córtex, com suas conexões ramificadas e seus mapas sensoriais.
É certamente assim que os atletas competem. Agem sobre previsões. Experimentos mostram que os goleiros profissionais conseguem adivinhar a direção da bola em um pênalti, observando apenas o movimento do atacante. O primeiro instante do vôo da bola é suficiente para extrapolar toda sua trajetória. Caso a bola voe de maneira imprevisível a menos de 200 milésimos de segundo, não haverá tempo para ajustes. O goleiro irá girar o corpo segundo uma previsão errada. Resultado: perderá a bola. Os profissionais lêem o jogo, contam com a antecipação. Nós fazemos exatamente o mesmo para lidar com situações corriqueiras.

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